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Retornando de uma consulta de rotina, me deparei com um prédio, relativamente novo, numa rua extremamente inclinada.
O acesso ao edifico se dava por alguns lances de escada, com uma plataforma elevatória ao lado (nem entrarei no mérito se estava funcionando) destinada a pessoas em cadeira de rodas ou com mobilidade reduzida.
Havia também uma vaga de estacionamento, teoricamente reservada para pessoas com deficiência (PCD), mas sem sinalização adequada.
Imaginei um cadeirante estacionando no local, seja como condutor ou passageiro. Para ele, cada movimento precisaria ser calculado com cuidado extremo. Seria necessária uma cadeira de rodas robusta e muita força nos braços para fazer a transferência, se dirigir até a entrada da plataforma e abrir a porta sem o risco de descer ladeira abaixo, em alta velocidade.
Situação visivelmente insegura.
A princípio, na melhor das intenções, quem projetou e executou esta adaptação imaginou, numa visão mais leiga, estar atendendo uma obrigação legal e tendo um local acessível. Porém, basta um olhar mais atento para perceber que o resultado estava longe de atender a norma.
Costumo chamar isto de “Acessibilidade deficiente”, ou seja, existe uma preocupação do responsável pela edificação ou pela atividade, em tornar o imóvel adaptado, investe um valor considerável para adaptar os sanitários, implantar rampa ou plataforma elevatória, mas o resultado é insatisfatório.
Quando se propõe a se promover a acessibilidade ela tem que ser feita na sua totalidade, não existe meio acessível.
Não basta apenas instalar um sanitário com barras ou uma rampa com a inclinação mais adequada para automóveis do que para um cadeirante.
Na minha vida profissional realizei inúmeras vistorias para verificação das condições acessibilidades em diferentes tipos de edificações e atividades. Embora tenha encontrado diversas situações adequadas, também me deparei com muitos casos mal resolvidos.
Lembro-me de uma vistoria onde o cliente ocupava o quarto andar de um imóvel antigo no centro de São Paulo. O local havia sido recentemente reformado: sanitários com dimensões corretas, barras instaladas, portas adequadas, mobiliário acessível e copa equipada.
Tudo parecia perfeito até eu perguntar como um PCD acessava aquele andar, já que subi pelas escadas logo na entrada. Para minha surpresa, fui informado que o prédio só tinha escadas, sem elevadores ou plataformas.
Em outra vistoria, um local reformado atendendo às exigências do SESMT possuía dois novos sanitários e vestiários PCD, ao lado dos existentes para os demais funcionários, separados por um grande corredor que levava ao refeitório. Entretanto, essa parte do edifício só era acessada por escadas.
Obviamente, os sanitários acessíveis estavam trancados e já haviam virado depósitos. Uma situação muito comum de se encontrar: sanitários PCD fechados, cujo paradeiro da chave é sempre incerto, e quando abertos, estão cheios de materiais armazenados.
Esses exemplos mostram que, tanto no projeto quanto na execução, a acessibilidade não foi pensada em sua totalidade. Gastou-se muito dinheiro focando em sanitários adaptados, mas esqueceu-se de garantir um ambiente universal, livre de obstáculos e inclusivo.
Embora tenhamos avançado ao longo do tempo, ainda há muito a ser feito.
A legislação evoluiu, com a primeira lei federal específica sobre o tema, promulgada em 2000 e regulamentada quatro anos depois. O Estatuto da Pessoa com Deficiência foi aprovado em 2015. A NBR 9050, criada em 1985, foi revisada quatro vezes, a última em 2020.
Lembro do meu primeiro curso sobre acessibilidade, em julho de 2005, no CREA, quando arquitetos e engenheiros ainda dividiam o mesmo conselho profissional. No embalo do Decreto Federal de 2004, o CREA criou um Grupo de Trabalho específico sobre acessibilidade e começou a capacitar profissionais no assunto, ainda pouco conhecido para muitos.
O curso aconteceu em um prédio antigo no centro de São Paulo, que necessitava subir seis degraus para acessar o elevador. O professor, ao abordar o tema, comentou sobre a ironia de estarmos em um local inacessível para discutir acessibilidade.
Uma atividade prática marcou profundamente essa experiência: cadeiras de rodas, vendas para os olhos e muletas foram distribuídas, e os participantes tentaram se locomover pelo andar, ir ao banheiro, à copa, e retornar à sala.
A experiência muda nossa percepção. Já tentou subir um pequeno desnível com uma cadeira de rodas? Ou apoiar-se em uma pia com o pé imobilizado usando muletas? Se orientar com os olhos vendados?
Toda a vez que vejo uma situação de acessibilidade deficiente, tenho um desejo secreto de pegar quem projetou ou executou e sugerir que ela faça uma vivência em uma cadeira de rodas, no local, e sinta na pele a dificuldade de uma adaptação malfeita.
Carlos Capuchinho
Arquiteto e Urbanista
Engenheiro de Segurança do Trabalho
Especialista em Engenharia de Incêndio
Especialista em Legalização de Imóveis e Aprovação de Projetos
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